BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) (2014)
Texto originalmente publicado no jornal Ponto & Vírgula da Escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte (2014-2017)
Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é um filme de 2014 de Alejandro González Iñárritu, vencedor de 4 prémios na 87.ª edição dos Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador. Protagonizado pelo quase esquecido Michael Keaton (Batman de 1989), que aproveita a oportunidade para dar uma das melhores atuações da sua carreira, conta ainda com um valiosíssimo elenco de suporte: Edward Norton (A Outra História Americana), Emma Stone (As Serviçais), Zach Galifianakis (A Ressaca) e Naomi Watts (O Impossível).
A história fala de Riggan Thomson (Michael Keaton), um antigo ator de blockbusters, famoso por interpretar um super-herói de nome Birdman (Homem-Pássaro) no passado e que decide montar uma peça de teatro na Broadway. Riggan vive constantemente com a voz do seu antigo personagem na cabeça, uma espécie de ego auto opressivo, que o espezinha insistentemente. E por mais estranho que possa parecer confiar num reflexo distorcido da mente, Riggan entende que a peça de teatro é a última chance que tem para provar que está vivo, depois de cair no esquecimento da indústria que não perdoa.
Nasceu na América do Sul, algures no século XX, um movimento literário chamado de realismo mágico. Na atmosfera das obras escritas por autores do realismo mágico, vários elementos estranhamente fantásticos explodiam em cena, quase intuitivamente, e invadiam os cenários realistas do quotidiano. Neste ambiente de imprevisibilidade e magia, o espaço dominante era o âmbito do possível, do concretizável, tal como é em Birdman, em que Iñárritu, com grande habilidade técnica, conta a história do seu herói envolto de devaneios, epifanias e fantasias, nunca, porém, desviando totalmente o espectador da realidade, se bem que é muitas vezes distorcida.
Tudo é aparentemente passado na cabeça do protagonista e daí Iñárritu usar a cinematografia de Emmanuel Lubezki para criar um filme que pareça um longo plano sequência, ou seja, uma cena sem fim, onde a câmara flutua pelos cenários, seguindo os personagens. Essa incrível ideia, de execução notável, dá um ar ofegante e contínuo aos dias de Riggan, imparáveis e cansativos, desde preparação do espectáculo até ao desenlace. Mas o realizador sabe parar a câmara: Iñárritu tem a feliz percepção de que quando precisa desenvolver histórias paralelas e explorar os personagens secundários, deve desacelerar e dar espaço cénico suficiente para atores como Edward Norton brilharem. E no fundo, por baixo da correria constante e da depressão psicológica de Riggan, ouve-se a fenomenal banda sonora de Antonio Sánchez, composta maioritariamente por precursão, que dá um ritmo acelerado e intenso à narrativa, além de traduzir, em compassos e notas, umas das ideias essenciais do filme — a certo ponto, a própria banda sonora entra em cena, com um baterista a tocar nos corredores do teatro, mais uma vez a simbolizar a invasão do fantástico no comum em Birdman.
O filme passa uma imagem de ser um novo trabalho cultural que rema contra a maré da industrialização das artes. Chega até a disparar contra o grupo de críticos que constituem a coluna da sociedade cultural nova-iorquina, denunciando uma certa possessão destes sobre a arte. É prepotente achar que existe uma superioridade entre a verdadeira e a falsa arte em pleno século XXI, depois de uma inundação de pós-modernidade sobre a arte clássica, como reflete o próprio protagonista. Mas, por baixo dessa filosofia, acaba por se revelar uma eloquente história de um homem que procura um lugar no admirável mundo novo que ele próprio não viu chegar. Insano, frenético e ácido, Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) delicia-se em ser elipticamente do contra. E ainda bem.
Francisco Fernandes
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