UMA HISTÓRIA DE AMOR (2013)
Texto originalmente publicado no jornal Ponto & Vírgula da Escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte (2014-2017)
Uma História de Amor
(Her) é um filme norte-americano de 2013 escrito e realizado por
Spike Jonze, indicado para os Óscares, que conta com as belíssimas atuações de
Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson e Amy Adams. O enredo segue a história de
Theodore (Phoenix), um escritor solitário que compra um sistema operacional
altamente desenvolvido, criado para simular companhia humana, com pensamento e
ações humanas no conforto do ouvido da pessoa, e a forma como Theodore se
apaixona inevitavelmente pela espontaneidade e inteligência do sistema.
O filme passa-se todo num futuro próximo,
onde a sociedade contemporânea e altamente tecnológica funde-se com um ideal pop art retro. Este conceito é muito
interessante e explora a ideia de como a tecnologia deixa as pessoas
completamente distanciadas do contacto humano e como uma sociedade se adapta,
comercialmente, às necessidades de convivência da população que, representada
pelo protagonista, sofre de um género de eremitismo psicológico. Tudo isto é
agrupado na incrível direção de arte do filme que pinta um verdadeiro quadro de
uma sociedade distópica, com uma palete de cores vivas que contrasta
simultaneamente entre os tons quentes e frios.
À parte da arte, o longa destaca-se pelo
argumento muito bem desenvolvido. É interessantíssimo ver o progresso da
história e a forma como Theodore encontra no seu sistema operacional, Samantha
(voz de Scarlett Johansson), um conforto quase tão natural como humano. Samantha
fala, respira e pensa como um ser humano e interage com Theodore como se
estivesse no mesmo local dele. Esta é a ideia principal do filme: a forma como
a tecnologia, por se desenvolver cada vez mais em prol da substituição das
relações humanas, nos torna introspectivos e desligados da existência de
companhia humana; é para isso que a personagem de Amy Adams existe, uma simples
amiga de Theodore que luta para manter as suas relações com homens verdadeiros
vivas, fazendo contraste com os relacionamentos do protagonista. Porque Theodore,
graças à naturalidade de Samantha, deixa de entender que aquela voz no canto do
seu ouvido é um simples produto desenvolvido, não por pessoas que nos amam, mas
por pessoas que querem o nosso dinheiro, e que isso, como disse David Foster
Wallace, é bom em quantidades frequentes e pequenas, mas se se trata da nossa
dieta de vida principal, então tratar-se-á também da nossa mais pura forma de
não existência. De uma forma muito significativa, a nossa morte.
Esta história de amor, como qualquer outra,
com sobressaltos, retro e meio sci-fi,
acaba até por ser lírica. A beleza constante das formas, da arte, da fotografia
e das atuações culminam num dos mais belos projetos sobre romance dos últimos
anos. E o filme só podia acabar onde acabou. Depois de todos os sistemas serem
apagados, a desolação de milhões de compradores leva-os a abandonar a ilusão
virtual e voltar ao mundo real. A última imagem que temos é de Theodore, com a
sua amiga, de quem se afastou para ter a companhia delusória de Samantha, no
terraço de um alto edifício, a olhar para o céu rasgado pelas nuvens de fim de
dia. É que num mundo de wireless,
computadores e smartphones, mesmo
pensando nós eventualmente que as tecnologias podem substituir as relações
humanas, Uma História de Amor prova o
contrário — o céu é natural e nosso, não é virtual. A nuvem de rede está cá em
baixo.
Francisco Fernandes
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