LA LA LAND (2016)


Texto originalmente publicado no jornal Ponto & Vírgula da Escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte (2014-2017)

O estilo musical tem perdido cada vez mais espaço nos grandes ecrãs. Nos pequenos rádios, ou nos discos, ou nas aplicações digitais, o jazz tem vindo também, por sua vez, a morrer. A beleza e o optimismo urbano das grandes cidades foram substituídos por um clima de desatenção, de rapidez, de indiferença, de barulho. Damien Chazelle, num ato eloquente de reverência, apresenta La La Land como uma resposta: a morte da arte é o esquecimento, e filmes como este servem para projetar no mundo os sonhos inesquecíveis das velhas artes, para relembrar.

La La Land é um filme musical de 2016, realizado por Damien Chazelle (Whiplash), nomeado para 14 Óscares na edição vindoura de 2017 e protagonizado pelos fenomenais Emma Stone e Ryan Gosling. Contando a história de dois artistas jovens perdidos em Los Angeles — Mia (Emma Stone), uma atriz sem sucesso, e Sebastian (Ryan Gosling), um pianista de jazz desencaixado no panorama musical da cidade —, La La Land viaja ao tom dos seus versos e compassos pelas quatro estações do ano.


Esta é uma história de amor. A partir da noção ultrapassada da antiga Hollywood de absoluta perfeição e dependência romântica, La La Land desenvolve a sua própria noção. Ambos os personagens principais, cujos problemas diários são tão comuns quanto os de qualquer pessoa, partilham, porém, uma indomabilidade de espírito inigualável. Em tom de homenagem aos antigos filmes musicais, é neste espaço de independência e de vontade que os personagens, além do seu circunscrito (e incompatível) âmbito de vivência — «mais um dia de sol», como se canta no prólogo —, se transformam, crescem e incorporam a própria arte do filme. A eminente beleza de La La Land surge pela conjugação totalmente harmónica, como a de uma boa música em que as estrofes e as notas se encontram, num apogeu constante e absoluto. Não existe irregularidades notáveis em La La Land e, tal como Chazelle já havia feito em Whiplash, o tempo do filme e a sua organização estrutural não falham; não há subidas e descidas na capacidade da longa-metragem de se revelar e de florir em música.


La La Land é um trabalho devotamente completo. É visível a paixão pelo projeto não só na realização impecável de Chazelle, mas também na nítida presença dos atores enquanto personagens. Também graças a esta completude, o filme torna-se um produto cinematograficamente excecional. Com explosões vibrantes de cor e som na moderna Los Angeles, La La Land, como uma extensa peça de teatro, consegue formar uma ponte temporal entre o antigo e o novo e é nessa cidade que encontra o seu palco. Porque Los Angeles é neste filme o espaço de permissão. É o sonho americano — o sonho artístico — dos tolos. É assim que canta Mia numa audição: «Um brinde àqueles que sonham, por mais tolos que possam parecer.» E não é por acaso que o canta quando fala de Paris, a cidade do amor, da arte, do jazz ireverente, cidade que La La Land só visita ou em pinturas ou em palavras distantes. Porque Los Angeles chega, não porque é o que há, mas porque é lá, na cidade estrelada sob o céu arroxeado que La La Land idilicamente projeta, que os tolos, por mais loucos que possam parecer, sonham.

Sonhar em La La Land, que não se afasta da vertente lírica da antiga Hollywood, é o maior atrevimento, recompensado pelo maior preço. Tal como era, para Eça de Queirós, tanto curiosidade espreitar pela fechadura de uma porta, como descobrir a América, é para La La Land tanto atrevimento saltar descalço para o rio Sena, como seguir apaixonadamente os próprios sonhos, independentemente do desfecho. Mesmo esteticamente único, o filme descobre-se na vontade da sua arte. É, no fundo, um reflexo dos espíritos dos personagens. Ou talvez sejam os personagens um reflexo do espírito do filme. Felizmente ambos se encontram e caminham sob os astros. Por entre as poéticas e melancólicas melodias, não obstante os incríveis cenários e adereços, sobra, porém, o bucolismo — La La Land é um terraço florido por estrelas. 


Francisco Fernandes

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